7 de maio de 2016
Decisão da Burberry de colocar produtos à venda logo após os desfiles é uma mudança radical na estratégia e nos conceitos do mercado
Os sinais de transformação estão no mercado há muitos anos, mas o recente anúncio de uma mudança estratégica na dinâmica de distribuição das coleções da Burberry mostra que o fast fashion deixou de ser um nicho de mercado para se transformar na regra.
Desde que a Zara, nos anos 80, começou a desenvolver seus produtos a partir de uma lógica de rápida distribuição, com itens apresentados nas lojas sem garantia de continuidade para estimular a compra imediata, o fast fashion vem avançando no varejo de moda. Aos poucos, o mercado mundial foi se polarizando. De um lado se posicionaram empresas focadas em moda rápida, com a entrega de produtos de baixo custo e informação fashion a preço acessível e, principalmente, rompendo com toda a dinâmica das coleções semestrais. Em vez da moda outono/inverno ou primavera/verão, minicoleções sazonais que pudessem aproveitar melhor variações de clima ou de comportamento dos clientes.
Do extremo oposto, o mercado de luxo manteve seu posicionamento acessível para poucos e continuou seguindo a dinâmica das coleções sazonais, uma vez que, sendo o luxo universal e altamente desejado, diminuía a necessidade do fast fashion como argumento para fazer com que a consumidora adquirisse um determinado produto naquele exato momento. Era mais interessante oferecer o produto por mais tempo, para que a cliente fosse à loja conforme sua vontade.
Entre esses dois extremos ficaram espremidas muitas empresas que nem têm moda rápida e acessível, nem são vistas como luxo. Para cada H&M, Uniqlo, Prada ou Gucci há companhias como a GAP ou a American Apparel, que se perderam no meio do caminho e caminham para se tornarem irrelevantes.
O crescimento do público Millennial (a geração nascida após 1980 e que é nativa digital) trouxe ainda mais transformações. Trata-se de um público sempre conectado e que não está acostumado a esperar. Quer tudo, agora. Para esse público, não faz nenhum sentido ver um desfile na passarela na Semana de Moda de Nova York e ter que aguardar seis meses para adquirir esse produto. Essa dinâmica vem de uma limitação da indústria que foi se tornando o padrão de mercado, mas o cliente demanda novas soluções.
Nesse sentido, a decisão da Burberry de disponibilizar para venda online, logo após os desfiles, os produtos apresentados na passarela é um marco no varejo de luxo. O conceito “see now, buy now” está completamente alinhado com as demandas dos Millennials e representa uma mudança de conceito com a qual poucas empresas conseguirão lidar.
Essa mudança vem sendo preparada há algum tempo: nos últimos anos, a Burberry fez testes com algumas coleções, mas a partir de agora todos os produtos serão oferecidos online logo após os desfiles da marca, e não mais seis meses depois. Os desafios logísticos e de gestão de inventário serão imensos, uma vez que uma demanda acima do esperado por determinados itens trará uma forte ruptura de estoques, ao mesmo tempo em que a baixa demanda por outros itens poderá deixar a empresa estocada demais. Os resultados poderão ser fantásticos ou trágicos, dependendo da assertividade da companhia na gestão de seu mix de produtos.
De certa forma, esse movimento aproxima o mercado de luxo da realidade do varejo em geral, mais nervosa e com ciclos de vida mais curtos. Parece que finalmente o século 21 chegou para o luxo mundial!
Renato Müller é co-founder da Käfer Content Studio.