No varejo, tamanho não é documento

Ma langue aux chats

6 de junho de 2016

Mais importante que ser grande é ser único. O que implica em fazer escolhas e, muitas e muitas vezes, dizer não aos clientes

Viajar é muito bom não apenas pela oportunidade de descansar, relaxar e conhecer lugares diferentes, mas também pela possibilidade de ganhar uma nova perspectiva sobre o que consideramos normal em nossa cidade. Recentemente, tive a oportunidade de conhecer a cidade de Quebec, no Canadá. São mais de 400 anos de uma história rica, em que o local, única cidade com muralhas na América do Norte, foi fundado por franceses, passou para as mãos dos ingleses, foi ameaçada de se tornar americana, virou canadense e flertou com a ideia de, junto com todo lado do país que fala francês, ser independente da metade inglesa.

Durante mais de uma semana pudemos circular, a pé, de bicicleta e de ônibus, pela cidade, e saltou aos olhos uma espécie de segmentação geográfica: praticamente não existem grandes redes com lojas na região central (e histórica) da cidade. Existe uma Starbucks, uma rede local de lojas de souvenir, outra de óculos, uma de chás, uma loja de departamentos (Simons) e, no mais, apenas varejistas independentes. O cenário muda conforme o consumidor se afasta na cidade velha: grandes redes, como Sears, Best Buy, Couche-Tard, Jean Coutu, Canadian Tire e Toys ‘R’ Us, encontram espaço para construir suas lojas. Nada de derrubar o que é antigo para construir o novo: o que é histórico é preservado e as novidades vão se adaptando para ocupar os espaços vagos.

A cultura brasileira é outra, mas a valorização do que torna a cidade de Quebec única é uma lição que vale para muitos e muitos lugares. Por maiores que sejam as gigantes do varejo, o consumidor deseja aquilo que torna sua experiência de compra especial. E isso não se encontra em um ambiente padronizado, milimetricamente projetado para ser reproduzido em larga escala. Os melhores restaurantes não são fast-food, o melhor queijo não é industrializado, o melhor violão não é feito em uma máquina em grandes quantidades. A qualidade, em qualquer setor, vem do cuidado e da dedicação artesanal. Quebec é única porque sua história foi preservada e é valorizada. O que também significa valorizar os pequenos negócios, exclusivos daquele local.

Não é possível ter qualidade e quantidade ao mesmo tempo: é preciso escolher para que lado caminhar. E, ao escolher o caminho da qualidade, é preciso refinar ainda mais essa escolha para definir uma proposta que seja irresistível para alguns consumidores. Uma grande parte ignorará ou rejeitará essa proposta, mas os fãs serão ardorosos.

Um exemplo é uma cafeteria chamada Ma Langue Aux Chats, uma encantadora surpresa. Ao olharmos pela vitrine, gatos andando pelo local e uma dúvida momentânea: é um café ou um pet shop? O logotipo com uma xícara de café imensa tira qualquer dúvida e reparamos em detalhes como trocadilhos no cardápio, com referências a gatos. Ao entrarmos, a dona imediatamente sai de trás do balcão para nos receber. Pergunta se é a primeira vez que estamos lá e, ao receber uma resposta afirmativa, explica que é preciso tirar os sapatos e passar gel nas mãos. São as regras da casa, para manter os gatos com boa saúde. Rapidamente contamos seis bichanos na loja, que está imaculadamente limpa e perfumada. O ambiente é climatizado, 23 graus, confortável para humanos e felinos.

A cafeteria é charmosa, toda em madeira, com sofás para quem quiser ficar por mais tempo, uma área com jogos de tabuleiro e todo um ambiente pensado para que os gatos também possam brincar, se divertir e relaxar.

Quem não gosta de gatos nem pensa em entrar na loja, mas quem gosta mergulha na experiência. Nesse caso, é um lugar em que o mau humor fica do lado de fora. A música é suave e relaxante (para os humanos? Para os gatos? Ambos?), a apresentação dos produtos é encantadora e tudo contribui para um momento muito especial.

Uma proposta que não é para qualquer cliente, mas para um grupo específico. Por isso mesmo, é especial, única, exclusiva. Ser tudo para todos não funciona. Vale mais a pena, para quem não tem tamanho, ser muito especial para um público específico. Só assim se obtém diferenciação e só assim o consumidor se encanta.

Renato Müller é co-founder da Käfer Content Studio.

Publicado originalmente em Pequenas que Pensam Grande