Pokémon GO: um tiro no pé

pokemongo

27 de julho de 2016

Só quem esteve em Marte nos últimos tempos não ficou sabendo da febre que, subitamente, tomou conta da Terra. Pessoas com smartphones em punho andando pelas ruas atrás de personagens virtuais, em uma corrida para a conquista de prêmios em um game que, em menos de 10 dias, se tornou o mais popular da história dos jogos para celular e teve ampla cobertura da imprensa. Um vídeo com uma multidão invadindo o Central Park de Nova York em busca de um personagem (inclusive com motoristas parando seus carros no meio da rua para correr atrás do prêmio), serviços de taxi para que o cliente possa jogar em paz por alguns minutos sem se preocupar com o trânsito, drones para alcançar objetivos em lugares distantes e até mesmo empresas que afirmam ter quase dobrado o público em suas lojas, mediante um investimento de apenas US$ 10 para receber um personagem virtual.

Bem-vindo ao mundo de Pokémon GO, o jogo de realidade aumentada desenvolvido pela Nintendo a partir de seus clássicos personagens dos anos 90. Em linhas muito gerais, trata-se de um desafio em que as pessoas percorrem lugares reais e, por meio de seus celulares, capturam personagens virtuais e cumprem tarefas. Em si, nada tão novo: a realidade aumentada existe há pelo menos uma década e várias campanhas publicitárias (a da Volkswagen para o New Beetle em 2011 é apenas um exemplo) já exploravam a gamificação para aumentar o envolvimento dos consumidores.

Por que, então, o frisson em relação ao Pokémon GO?

Seria possível escrever uma tese a respeito das razões que levam ao hype a respeito do game, mas podemos resumi-las nos seguintes pontos:

Nostalgia: Pokémon foi um desenho inacreditavelmente popular nos anos 90 e as crianças e pré-adolescentes daquela época mergulharam de cabeça no retorno ao passado. A nostalgia é uma das características de nossa época e a Nintendo foi muito inteligente em explorar isso;

Aventura: a brincadeira do Pokémon GO consiste em aproveitar os espaços urbanos para interagir com os personagens do jogo, criando mundos de fantasia em meio à realidade. Nada mais contemporâneo que buscar a todo instante a fuga do mundo real, seja navegando nas mídias sociais, seja em um game. Quem nunca jogou Candy Crush na fila do banco que atire a primeira pedra!

User experience: o desenvolvimento da realidade aumentada vem tornando a tecnologia não apenas mais acessível, mas mais amigável. Os diversos experimentos com câmeras 360 graus têm tornado mais aceitável o uso do celular como “uma janela para outros mundos” e o próprio desenvolvimento dos smartphones e da conectividade torna esse tipo de experiência mais imersiva.

É divertido: convenhamos, se o game fosse entediante, não “pegaria”. Só que a brincadeira é envolvente.

Mas e do ponto de vista do marketing e do varejo? O jornal The New York Post publicou um texto em seu site, replicado em todo o mundo, contando a história de um pequeno lojista americano que praticamente duplicou o fluxo de clientes em sua loja a partir de um investimento de US$ 10 na compra do direito de se tornar um local de habitação de um Pokémon. Aparentemente, porém, ninguém se preocupou em perguntar se o aumento do fluxo gerou vendas adicionais ou onde foi parar a experiência de consumo no local.

O auê a respeito do Pokémon GO tem paralelos com outras duas grandes novidades que surgiram há alguns anos e que, com o tempo, se mostraram mais modismos do que revoluções. A primeira é o Second Life, que nasceu na década passada como um ambiente virtual no qual os usuários criavam avatares para si e podiam percorrer esse universo digital e interagir com outras pessoas e marcas. Em um mundo ainda sem smartphones, era uma experiência projetada para computadores desktop em que os usuários acabavam gastando um tempo enorme de suas vidas para fazer quase nada. Acabou passando, em apenas 12 meses, de uma ideia disruptiva e uma incrível plataforma de mídia para uma decepção completa.

A segunda novidade também tomou o mundo de assalto e prometia ser uma forma revolucionária de fazer negócios, mas não cumpriu a promessa. Os sites de compras coletivas, como Groupon e Peixe Urbano, saíram do zero ao bilhão em questão de meses, ganharam milhares de cópias e prometeram um grande fluxo de clientes para as lojas, mas trouxeram problemas de atendimento, experiências ruins de consumo e atração de consumidores atrás de ofertas (o que comprometeu a margem dos varejistas). No fim das contas, uma situação tão insustentável que a bolha das compras coletivas estourou rapidamente e os players do setor precisaram se reinventar para sobreviver.

Será que investir US$ 10 (que logo serão US$ 100 ou US$ 1000, não se iluda) para atrair clientes que estão interessados apenas em entrar no PDV, capturar o Pokémon e ir à caça do próximo prêmio é realmente uma estratégia inteligente para gerar receitas? Qual será o impacto desse movimento todo sobre a experiência de consumo que a empresa oferece aos clientes? A marca atrairá os consumidores corretos pelas razões adequadas? Ou está somente chamando uma multidão para o PDV na esperança de que a qualidade surja a partir da quantidade?

Modismos à parte, existem formas mais inteligentes, estratégicas e estruturadas de movimentar seu negócio, chamar a atenção dos consumidores e estabelecer um relacionamento duradouro com eles.

Renato Müller é co-founder da Käfer Content Studio.