O que Donald Trump pode ensinar a seu negócio?

bigtrumpdata

30 de março de 2017

À primeira vista, a resposta à pergunta do título é um sonoro “nada”: afinal, o que uma pessoa não agregadora, polêmica, com valores morais questionáveis e que diariamente passa a impressão de que não sabe que um país não se governa como se fosse uma empresa sujeita a seus caprichos poderia apresentar de inovador e relevante para empresários e executivos de varejo? Olhando um pouco mais detidamente, porém, surge uma impressionante história de marketing digital que já é um case de comunicação.

A história completa surgiu no fim de janeiro e, para quem tiver disposição, vale a leitura em detalhes. Para quem quiser deixar para depois, a versão curta é a seguinte: com o uso de ferramentas de big data, a equipe de campanha de Trump conseguiu analisar quais seriam os grupos de eleitores mais suscetíveis às mensagens do candidato republicano e, mais ainda, qual seria a melhor forma de transmitir essas mensagens (cores, fontes, tons, detalhes da argumentação) para que tivessem o resultado desejado (fazer com que as pessoas votassem em Trump).

Embora o uso de segmentações e do mapeamento do comportamento dos consumidores já seja usado para direcionar mensagens publicitárias no varejo (especialmente a partir dos dados de usuários de programas de fidelidade, que passam a receber ofertas adequadas ao seu perfil), a campanha de Trump levou o refinamento da comunicação a um nível nunca antes visto. A partir de um modelo estatístico que mostra que, com apenas 10 “likes” de um usuário no Facebook já é possível estabelecer um perfil bem acurado de quem é essa pessoa (e com 300 “likes” é possível saber mais sobre alguém do que seu cônjuge saberia), foi criado um modelo psicológico que avalia cinco grandes valores a partir de aspectos como as fotos vistas nos perfis das redes sociais. Hoje o celular pode ser visto não só como uma ferramenta de comunicação, mas como um grande questionário que preenchemos sobre nós mesmos, mesmo quando não estamos a par disso.

A direção da campanha de Trump desenvolveu um nível tamanho de requinte que praticamente todas as mensagens, em todos os canais de comunicação, foram criadas a partir dos dados dos usuários. A ideia era mostrar para todo tipo de eleitor em potencial como Trump poderia solucionar os problemas dos Estados Unidos. Detalhe: não se trata de convencer o eleitor de que a posição de Trump era a correta, e sim de mostrar que o candidato entendia a preocupação do eleitor e tinha uma resposta para ela.

Nada de mensagens genéricas: uma mensagem específica para cada grupo de eleitor, desde o red neck desempregado do Meio Oeste até o hipster de Seattle. No limite, uma mensagem diferente para cada pessoa. Como as mídias sociais criam bolhas em que cada usuário vê apenas o que reforça suas opiniões (em vez de entrar em contato com o oposto e proporcionar um confronto de ideias), o resultado é poderoso.

E onde fica a verdade neste caso? Bom, já estamos na era da “pós-verdade”, então a verdade ficou para trás. O que importa, nesse caso, é entregar ao eleitor a mensagem correta, que ressoará com ele. A ética de entregar uma mensagem que é uma “pós-verdade” é muito questionável, mas esse não é o ponto aqui: o que vale analisar é que toda instituição ou empresa que se relaciona com o público tem à disposição um arsenal de informações, provida pelos consumidores de modo voluntário por meio dos celulares.

Isso é algo disruptivo. Pesquisas de mercado nem sempre dizem o que o cliente deseja, e sim o que ele mostra. Uma face que não necessariamente é a realidade. Ao utilizar as informações existentes nas mídias sociais, a campanha de Trump entendeu o que se passava realmente com cada eleitor americano e conseguiu, assim, moldar o “produto Trump” para o público-alvo, apresentando a melhor mensagem possível para conquistar cada cliente. Exatamente o que toda empresa gostaria de fazer com seus consumidores: entender o que eles desejam e ser capaz até mesmo de antecipar esses desejos.

É um cenário de “Admirável mundo novo”, sem dúvida. Mas que já está presente, para o bem ou para o mal. Tomara que para o bem…

Renato Müller é co-founder da Käfer Content Studio

Publicado originalmente em Luxury Lab